Agronegócio tem mídia própria para produzir desinformação e conteúdo panfletário

foto:ASP Inc

Por Mônica Mourão
Do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Entre os veículos analisados no monitoramento “Vozes silenciadas – quem quer calar a voz dos sem-terra?”, foi incluído o portal do Agromais, canal de TV do Grupo Bandeirantes de  Comunicação. Além de textos sobre agricultura, pecuária, pesca, aquicultura, meio ambiente, economia e política, o site apresenta um banner com informações sobre a cotação de produtos como milho, trigo, soja, cacau e boi.

Apesar de utilizar a linguagem e o visual de um site jornalístico que se pretende informativo, o veículo tem posicionamento evidentemente a favor do agronegócio, ao eleger este como único modelo de produção e desconsiderar as alternativas construídas, entre outros, pelos movimentos de luta pela reforma agrária. Não é de se espantar, assim, que a cobertura sobre a CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) seja amplamente contrária ao movimento.

Entre 13 e 31 de maio de 2023, o Agromais publicou 11 matérias que citam o MST. Sete delas usam termos negativos para se referir ao movimento e suas causas, todos eles variações da palavra “invasão”. Nas 11 matérias, apenas uma fonte favorável ao MST foi ouvida, no dia 25 de maio de 2023. O próprio título (“Fedearroz repudia falas de Padre João sobre produção de arroz no país”) já dá a entender qual o ponto de vista: o da Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do Sul (Fedearroz).

A imagem que acompanha a matéria é uma arte dividida ao meio, sendo a primeira metade com a logomarca da Fedearroz abaixo do nome “Comunicado” com uma imagem de megafone sobre uma fotografia de plantação. A outra metade traz um retrato do deputado federal Padre João (PT-MG), que disse durante a votação de requerimentos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST: “Quero informar que no almoço de hoje meu cardápio foi arroz, e o agro não produz arroz”.

Segundo a matéria, “a declaração gerou revolta entre representantes e produtores de arroz. Após a repercussão, Padre João se retratou nas redes sociais”. Esta retratação e a resposta da Fedearroz são o foco da matéria. O deputado justificou que “quem produz comida para nosso povo é o pequeno agricultor, a agricultura familiar, os assentamentos da reforma agrária. 70% ou mais dos alimentos que chegam à nossa mesa é produzido por eles”.

Após essa resposta, a matéria reproduz, na íntegra, o comunicado da Fedearroz sobre o caso, que é encerrada com uma defesa do papel do agronegócio para o crescimento do país e a mitigação das desigualdades sociais: “[…] os produtores rurais gaúchos elevam o país ao patamar de maior produtor de arroz do mundo fora do continente asiático, sendo gerador de riquezas, empregos, tributos ao Estado, contribuindo, inclusive, para que o país possa prover programas assistenciais às camadas mais vulneráveis econômica e socialmente da população brasileira”.

Embora silencie sobre o fato de o MST ser o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, segundo o Instituto Riograndense do Arroz, fica evidente que quem produziu a matéria teve acesso a essa informação, amplamente divulgada, mas preferiu omiti-la. Falar sobre a premiada produção de arroz do MST seria também revelar outra lógica de produção, baseada nos princípios da agroecologia, com respeito aos biomas e gestão comunitária.

Ainda no mês de maio, é importante atentar para a publicação do dia 17, data em que foi instalada a CPI. A matéria que anuncia a instalação foca nos parlamentares que a formam. Sem citar fontes nem aprofundar a temática, ao afirmar que “os parlamentares vão investigar os meios de financiamento das invasões de terras”, a matéria já apresenta um veredicto  contrário ao MST.

Esse tom é disfarçado no título (“Com Zucco na presidência e Ricardo Salles na relatoria, CPI do MST é instalada na Câmara”) e no subtítulo (“A Comissão Parlamentar de Inquérito investigará as ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra”), que soam bastante objetivos e flertam com a “imparcialidade”, que sabemos ser inexistente.

No mês de junho, o Agromais publicou 12 matérias que mencionam o MST. Dessas, oito usam termos negativos para se referir ao movimento, como “invasão” e suas variações e ainda “depredação de patrimônio público e privado”; “crimes correlatos que possam ter sido cometidos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)”; “o líder do MST ameaçou dizendo que as invasões não seriam apenas no mês de abril”; e “os invasores praticam o desmatamento”.

Das 12 matérias publicadas em junho, apenas duas apresentam fontes favoráveis ao MST, sendo uma em cada. Por outro lado, são justamente duas publicações feitas para desinformar. Com o título “Ricardo Salles apresenta vídeo com acusações de extorsão contra líder do MST”, em 14 de junho, o portal afirma que a CPI “fez um balanço da visita à região do Pontal do Paranapanema, área de conflitos rurais em São Paulo” e que “o deputado Ricardo Salles (PL-SP), apresentou um vídeo com acusações de extorsão contra José Rainha Júnior, líder do MST”.

O texto não questiona a diligência da CPI, que intimidou militantes da Frente Nacional de Lutas (FNL), em ocupação numa fazenda cuja posse é alvo de disputa judicial e que sofreu ações civis públicas ambientais do Ministério Público do Estado de São Paulo por desmatamento. Muito menos explica que José Rainha Júnior não faz parte do MST desde 2007.

Assim, o tom geral é de reafirmação das mentiras produzidas por Ricardo Salles, embora haja espaço para Gleisi Hoffmann (PT-PR), que “questionou o fato dos acampados não serem ouvidos. ‘Quero deixar aqui registrado que esta é uma Comissão de inquérito, portanto ela é de averiguação. Quando fazemos um inquérito, ouvimos todas as partes’, disse”. A deputada afirmou também que “esse relatório está pronto para criminalizar o movimento e a reforma agrária”.

A segunda publicação de junho que ouve uma fonte a favor do MST, feita no dia 12, também traz desinformação. O título – “CPI do MST volta a se reunir nesta terça-feira (13)” – e o primeiro parágrafo têm informações sobre a CPI, de forma aparentemente objetiva. Mas o parágrafo seguinte trata de um caso de invasão a terras da empresa de celulose Suzano, em Açailândia (MA), associada de forma mentirosa a uma ação do MST.

No entanto, nem mesmo a nota da Suzano citada na matéria atribui a invasão ao MST, e sim a “invasores profissionais”, sem nenhuma referência aos sem-terra. Em vez de afirmar esse fato, a matéria preferiu atribuir o desmentido ao MST, destacando que “a assessoria do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) informou que não é responsável por essa invasão”. A opção por colocar a informação correta como uma defesa do movimento busca criar a ideia de que essa é apenas a posição dele em resposta a um ato violento cometido, e não um fato que o veículo poderia ter confirmado.

A posição do Agromais, de defesa do agronegócio e criminalização do MST, independente dos fatos, aponta para o caráter panfletário do veículo, apesar da linguagem jornalística. Como afirmou o marxista italiano Antonio Gramsci, em 1916, “o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por interesses. […] Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há manifestação? Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre tumultuosos, facciosos, malfeitores”.

Conforme a pesquisa “Quem controla a mídia no Brasil?”, são evidentes as relações entre o Grupo Bandeirantes e o agronegócio. Proprietária do Grupo, a família Saad também é dona de terras e usa seus veículos de comunicação para fazer a disputa ideológica em defesa do agro.

Além do Agromais, possui o canal de TV a cabo Terraviva e, na Band News, o Jornal Terraviva reapresenta notícias sobre o agronegócio produzidas pelo canal especializado. Não custa lembrar também que, em 1989, a família teve uma parte de suas terras desapropriada para a reforma agrária. A confluência de interesses não é exclusividade da Bandeirantes: outros grupos de comunicação que concentram a maior parte da audiência do país também investem em terras e produzem conteúdos sobre agricultura e pecuária. O resultado é mais agro, menos informação e menos diversidade, tanto de vozes quanto de modelos de produção representados pela mídia.

* Mônica Mourão é jornalista, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e associada ao Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

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