Machismo dos deputados da CPI repercute na cobertura da mídia sobre o MST

Deputadas de esquerda são interrompidas com frequência em sessões da comissão, mas a imprensa falha em retratar a violência. Imagem: Intervozes

Por Eduardo Amorim
Do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Os debates sobre os Sem Terra têm ficado cada vez mais distantes do foco da Comissão Parlamentar de Inquérito do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ( CPI do MST). A se tomar como referência a cobertura da mídia, as discussões estão mais voltadas a entender como o Governo Lula vai efetivamente se posicionar no tema dos conflitos agrários e na violência política contra mulheres de esquerda cometida por representantes da bancada ruralista, especialmente o presidente do colegiado, Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), e o relator, Ricardo Salles (PL-SP). 

“É um absurdo. Em uma CPI que primeiro não tem objeto, pra que ela tenha sido instalada, é uma CPI que está a serviço de uma tentativa de criminalizar um movimento social que há décadas luta por reforma agrária, por educação no campo. E uma maneira de agir nesta casa que precisa ser interrompida, já há por parte do MPE uma representação encaminhada para a PGR pra investigar o presidente por silenciar em especial deputadas mulheres. E, veja-se, é uma uma tentativa de silenciamento de vozes que querem dizer fatos”, disse Talíria Petrone em entrevista ao UOL publicada no dia 31 de maio deste ano, citando os ataques de Tenente Coronel Zucco e Ricardo Salles contra as deputadas.

Enquanto declarações de políticos governistas vêm sendo utilizadas pela imprensa e ruralistas para gerar polêmicas que caracterizamos como “fogo amigo”, um fato que não pode ser esquecido é que algumas das parlamentares que têm demonstrado mais desenvoltura na defesa do MST são mulheres. Porém, a mídia tradicional tem falhado bastante ao fazer manchetes com falas ofensivas e preconceituosas contra elas e deixar de dar o mesmo espaço dado aos ruralistas às parlamentares que vêm sendo alvo de ataques.

As reivindicações das deputadas começam dentro da própria CPI, já que especialmente Sâmia Bonfim (PSOL-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ) têm sido interrompidas durante as sessões da comissão. Elas denunciam o machismo na condução dos trabalhos e o caso foi encaminhado para a Procuradoria-Geral da República (PGR). 

A imprensa, no entanto, também não está livre do machismo. No dia 12 de julho, O Globo publicou a reportagem Em barraco durante CPI do MST, deputado bolsonarista associa mulheres a ‘responsáveis por procriação’; vídeo. O texto traz falas do General Girão, Éder Mauro, Coronal Zucco e de Ricardo Salles, mas apenas relata o que foi  mais relevante na fala de Sâmia Bomfim na visão do repórter, que não incluiu as próprias palavras dela.

A opção do jornalista por dar voz aos homens e resumir a fala da mulher já é bastante problemática. Mas quando olhamos com atenção as agressões reproduzidas na reportagem contra Sâmia e Talíria, parece mais chocante as parlamentares não terem nem mesmo direito a uma resposta no principal jornal do Grupo Globo. Essas foram algumas das falas violentas que têm nosso repúdio:

— Qual é o seu objetivo, deputada Sâmia? Quer que eu encerre a sessão? Fique calada e respeite os demais deputados. Coronel Zucco (Republicanos).

— Lá vem a deputada que é sempre interrompida querer interromper a todos. Ricardo Salles (PL-SP),  sobre Sâmia Bomfim.

— Sinta o cheiro do chorume do comunismo a sua volta. Éder Mauro (PL-PA), referindo-se a Sâmia e Talíria.

— Eu lamento tudo isso, mas é o jeito da esquerda protestar. Estou sendo acusado de crimes que não cometi, enquanto vejo o terrorismo do MST. Precisamos mostrar para a população quem apoiou esses atos. A deputada que está vociferando contra mim sabe que ainda tenho direito à esquerda. Ela acha que por ser mulher não pode ser interrompida. Já cobrei isto ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). No Código Penal, mulheres não são isentas. Respeito muito as mulheres, responsáveis pela procriação e harmonia da família. General Girão (PL-RN).

O texto de O Globo, após a última fala sobre procriação e harmonia da família, chega a dizer que “até mesmo as parlamentares de oposição se mostraram constrangidas com a declaração de Girão”, mas não se dá ao trabalho de citar nenhuma deputada, nem de esquerda, nem da oposição ou do governo. 

O texto é extremamente machista, mas é importante se notar que ele traz declarações ouvidas durante a sessão, mas não reflete sobre as grosserias e mesmo assim publica todo o mau gosto sem nem mesmo ouvir as parlamentares que estão sendo acusadas. Para quem lê, parece um material produzido rapidamente para aproveitar a repercussão da polêmica pelas redes.

Curiosamente, o mesmo veículo de imprensa tinha realizado antes uma pesquisa para contabilizar as interrupções das deputadas mulheres nas CPIs do 8 de Janeiro e do MST. A reportagem destaca as interrupções sofridas pela relatora Eliziane Gama (PSD-MA), Soraya Tronicke (União-MS), Laura Carneiro (PSD-RJ) e traz também um relato sobre a CPI do MST, em que aparecem episódios anteriores sofridos pelas deputadas Talíria Petrone e Sâmia Bonfim.

Folha de S. Paulo também publicou reportagem sobre as declarações machistas dos parlamentares da CPI do MST no dia 12 de julho. Diferentemente de O Globo, o jornal teve o cuidado de ouvir a deputada Sâmia Bonfim, que afirmou que irá, com a bancada do PSOL, representar Zucco e Salles no Conselho de Ética da Casa por violência política de gênero na CPI. “Desde a instalação da CPI do MST foram inúmeros episódios de interrupções, cortes de microfone e ofensas contra mim e outras deputadas. O próprio Ministério Público Federal representou à Procuradoria-Geral da República para apurar violência política de gênero, e a procuradoria já iniciou pedidos de diligência”, diz Sâmia à Folha.

Mas a resposta da parlamentar do PSOL começa no 14º parágrafo da reportagem. Em cima, no espaço de destaque, foram publicados um print e um vídeo do General Girão fazendo a declaração machista e uma foto dos deputados da CPI com destaque para Ricardo Salles, mas não há imagens das mulheres. Abaixo, ainda existe uma arte com os integrantes da Comissão, em que aparecem em destaque Ricardo Salles, Coronel Zucco e Kim Kataguiri (União Brasil-SP). Sâmia Bonfim aparece na 23ª e última foto desta arte, que vem sendo utilizada diversas vezes pela Folha  e traz a legenda “Sâmia Bonfim é membro titular da CPI do MST”.

O Globo trata com destaque interrupções contra parlamentares de direita e esquece de ouvir parlamentares de esquerda em outra reportagem. Por mais que isso não seja proposital, talvez reflita a lógica de dar voz primeiro aos homens e, por último, a mulheres que defendem minorias e grupos que sofrem violações como os sem-terra. Isso se soma ao fato de o Movimento Sem Terra não ter voz na cobertura da mídia mesmo que a CPI seja sobre ele, pois as parlamentares apoiam o MST, mas não são parte integrante dele.

Vozes Silenciadas seguirá acompanhando a cobertura da CPI e de pautas ligadas ao MST, na expectativa de ver uma cobertura mais respeitosa tanto às lideranças e integrantes do MST, quanto às parlamentares que vêm sofrendo machismo em pleno Congresso Nacional. 

*Eduardo Amorim é jornalista, doutor em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e associado ao Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

** A série Vozes Silenciadas – Quem quer calar a luta dos sem-terra? é produzida pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. Coordenação: Mônica Mourão. Pesquisa: Alex Pegna Hercog e Eduardo Amorim. Colaboração: Olívia Bandeira e Pedro Vilaça

*** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Thalita Pires

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